Um levantamento inédito do GloboEsporte.com mostrou recentemente que 48,1% de 163 jogadores e técnicos negros entrevistados afirmaram terem sido vítimas de racismo no futebol. Agora, no Dia da Consciência Negra, nesta quarta-feira, 20 de novembro, um outro dado fomenta o debate: apenas um entre os 40 clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro possui um presidente negro.
Ele é Sebastião Arcanjo, o Tiãozinho, que assumiu o cargo na Ponte Preta há duas semanas após a saída de José Armando Abdalla. Com uma longa folha de serviços prestados ao clube, Tiãozinho já foi vice-presidente e também diretor de futebol – função que exercia na campanha do vice-campeonato paulista de 2008, mas só chegou ao maior posto administrativo após a renúncia do mandatário anterior.
– Penso que existe uma lacuna fora das quatro linhas nesse sentido, um vazio a ser preenchido. É uma fotografia do Brasil. É preciso evitar que esse problema seja exclusivamente dos ex-atletas, jogadores e profissionais negros e negras do futebol. Isso exige uma agenda que busque responder o déficit no ponto de vista da educação, do acesso à universidade, o que foi negado por muito tempo e hoje está sendo reparado com políticas afirmativas – disse Tiãozinho, em entrevista.
Tiãozinho assumiu a presidência da Ponte há duas semanas — Foto: Ponte Press / Luiz Guilherme Martins
Tiãozinho é o primeiro presidente negro da história de 119 anos de um clube que se considera a primeira democracia racial do futebol brasileiro – e pleiteia há anos o reconhecimento junto à Fifa por ter tido negros entre os fundadores, em 1900, e ter tido um jogador titular negro no primeiro time: Miguel do Carmo. Hoje, além de Tiãozinho como chefe da diretoria executiva, a Ponte tem um negro como presidente do Conselho Deliberativo: Tagino Alves dos Santos.
– A vida nos reserva essas surpresas, estou sendo brindado pela história. O clube foi o primeiro a promover aquilo que se convencionou a chamar de democracia racial. Precisamos de 119 anos para que isso acontecesse. Não que não tiveram pessoas com condições de assumir esse papel, mas pode ser que a condição histórica não permitia.
Fora do futebol, ele construiu a carreira na política, sendo vereador de Campinas, deputado estadual, ocupou ainda cargos de secretário de Trabalho e Renda e de Serviços Públicos da Prefeitura de Campinas e também se notabilizou por lutar contra a discriminação racial.
– São vários casos de racismo que me acompanharam, então eu tenho uma posição muito firme em relação à luta de combate ao racismo. Sempre nas posições que pude acompanhar, na vida pessoal, no trabalho, vida pública, sempre me posicionei contra racismo e qualquer tipo de discriminação.Se as mais diversas estatísticas indicam o quanto o espaço dos negros ainda precisa crescer na nossa sociedade, Tiãozinho acredita que o futuro reserva surpresas positivas em breve para que as diferenças no futebol e também no geral possam diminuir:
– Estou otimista, no próximo período vamos ter uma centena de milhares de jovens negros e negras que vão sair da universidade com uma qualificação e com capacidade para assumir posições fora das quatro linhas. As direções dos clubes também refletem um momento de transição. Aquele modelo de clubes agarrados ao estado, em que ninguém pagava nada, onde as coisas eram resolvidas pelo poder quase absoluto dos presidentes, ou de conselhos prontamente afastados da realidade concreta, porque era um mundo de faz de conta, essa máscara também está caindo.
Fonte: Globo Esporte